A morte de Gerson de Melo Machado, de 19 anos, conhecido como “Vaqueirinho”, após invadir a jaula de uma leoa no Parque Arruda Câmara, em João Pessoa, no domingo (30/11), revelou uma trajetória marcada por abandono, transtornos mentais não tratados e sucessivas passagens pela polícia. O caso expôs uma vulnerabilidade profunda que se estendia desde a infância e que nunca foi enfrentada de forma efetiva.
Segundo a delegada Josenice de Andrade Francisco, Gerson acumulava 16 registros policiais, em geral por pequenos furtos e danos. Ela afirma que o jovem apresentava sinais claros de transtorno mental e que, na condução mais recente à Central de Flagrantes, chegou a haver solicitação de internação psiquiátrica — pedido que, segundo ela, não chegou a ser analisado.
A conselheira tutelar Verônica Oliveira acompanhou Gerson por oito anos e conta que ele frequentemente ia por conta própria à delegacia para se entregar. O jovem repetia obsessivamente que queria “ir para a África cuidar dos leões”, e dizia que faria o caminho a pé. Em uma das situações mais graves, tentou acessar clandestinamente o trem de pouso de um avião da Gol para realizar o suposto “safári”.
Verônica relata que o desejo fazia parte de uma fantasia antiga, alimentada desde a infância. Ela explica que o jovem cresceu sem apoio familiar efetivo, em pobreza extrema, com a mãe diagnosticada com esquizofrenia e avós em condições igualmente frágeis. Gerson foi encontrado pela primeira vez pela PRF, caminhando sozinho em uma rodovia, o que levou ao acolhimento institucional. Mesmo destituído da guarda da mãe, ele fugia do abrigo repetidas vezes para procurá-la.
Dos irmãos, foi o único que não conseguiu adoção — justamente por apresentar sinais de transtornos mentais. Verônica afirma que a sociedade “quer adotar crianças perfeitas”, o que exclui jovens em sofrimento psíquico. Seus problemas só foram reconhecidos formalmente quando ele entrou no sistema socioeducativo, já na adolescência.
No domingo, Gerson escalou uma parede de mais de seis metros, ultrapassou grades de segurança, usou uma árvore como apoio e entrou no recinto da leoa. A prefeitura informou que o zoológico segue normas técnicas e abriu investigação interna. O Instituto de Polícia Científica e a Polícia Militar foram acionados, e o parque permanece fechado.
A tragédia evidencia, mais uma vez, a ausência de políticas continuadas de saúde mental e a falha da rede de proteção em acompanhar casos de vulnerabilidade severa — especialmente quando atravessados por pobreza, abandono e transtornos não diagnosticados ou sem tratamento adequado.






