Em novo depoimento prestado à Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, afirmou acreditar que advogados ligados à defesa do ex-presidente e de outros réus da suposta trama golpista tentaram acessar, por meio de familiares, detalhes de sua delação premiada. Segundo ele, os contatos teriam ocorrido de forma constante entre o segundo semestre de 2023 e o início de 2024, e incluíram abordagens à sua filha menor de idade, à esposa e à mãe.
O depoimento foi colhido na terça-feira (24), no âmbito de um inquérito que apura se houve tentativa de obstrução das investigações sobre a articulação golpista para manter Bolsonaro no poder após a derrota nas eleições de 2022. A investigação tramita por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
No depoimento, Cid negou que tenha violado os termos de sua colaboração premiada. Advogados de réus no caso, incluindo os do próprio Bolsonaro, sustentam que ele teria divulgado trechos sigilosos da delação por meio de um perfil falso em rede social, o “Gabrielar702”, o que, se comprovado, poderia invalidar o acordo com o Ministério Público. À PF, porém, Cid negou qualquer ligação com esse perfil.
Ele afirmou também que “acredita que alguém teria gravado o declarante, sem sua ciência e autorização, e repassado os áudios para o advogado Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz; que um dos áudios divulgados pela revista Veja, ouvido pelo declarante, está editado e recortado; que em relação à foto, acredita que tenha sido algum arquivo vazado e que foi usado para compor a imagem apresentada pelo advogado”.
Abordagens à família e visitas pessoais
O ex-ajudante de ordens relatou que os contatos com seus familiares partiram principalmente dos advogados Luiz Eduardo de Almeida Kuntz, que defende o coronel Marcelo Câmara, e Fábio Wajngarten, que integrou a comunicação do governo Bolsonaro e atua em sua defesa. Segundo ele, ao analisar o celular de sua filha, encontrou registros de mensagens trocadas via WhatsApp e Instagram com os dois advogados.
“Que ao analisar o telefone celular de sua filha, identificou que os advogados Luiz Eduardo de Almeida Kuntz e Fábio Wajngarten estavam mantendo contato constante com sua filha menor G.R.C, por meio dos aplicativos WhatsApp e Instagram, de agosto de 2023 até o primeiro trimestre de 2024″, consta no relatório da PF. Cid declarou que os dois estariam tentando se aproximar dele por meio da menor de idade.
Além disso, relatou que sua mãe também foi abordada “em pelo menos três oportunidades” na Sociedade Hípica Paulista, em São Paulo, onde acompanhava a neta em competições. Em uma dessas ocasiões, também estava presente o advogado Paulo Bueno, defensor de Jair Bolsonaro na Ação Penal 2.668/DF. “Que os advogados se colocaram à disposição para atuar na defesa do declarante”, afirmou.
Para Mauro Cid, essas tentativas de contato não foram meramente solidárias. Ele sustenta que Luiz Eduardo Kuntz “estabeleceu esse contato para obter informações sobre o acordo de colaboração firmado pelo declarante e com isso obstruir as investigações em andamento, aproveitando-se da inocência de sua filha menor de idade”.
Perfil falso e gravações editadas
O depoente negou qualquer envolvimento com o perfil “Gabrielar702”, utilizado em redes sociais para supostamente divulgar trechos da delação. Disse não saber quem o criou e rejeitou ter discutido seu acordo de colaboração com o advogado Kuntz, como este havia sugerido anteriormente.
Segundo Cid, áudios divulgados com sua voz teriam sido gravados clandestinamente, sem consentimento, e posteriormente editados antes de virem a público. Ele também apontou que a foto apresentada como evidência teria sido vazada de forma ilegal e manipulada para parecer uma comunicação feita por ele em rede social.
Próximos passos
Com base nos novos elementos, a Polícia Federal deve tomar o depoimento dos advogados citados por Cid, incluindo Fábio Wajngarten, Luiz Eduardo Kuntz e Paulo Bueno, todos ligados à defesa de Bolsonaro ou de aliados próximos.
O caso é parte das investigações conduzidas pelo STF sobre a tentativa de golpe de Estado e a organização criminosa que, segundo a PF e a Procuradoria-Geral da República, atuou para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022. Mauro Cid é peça-chave nessas apurações, tendo firmado acordo de colaboração premiada com a Justiça e entregado provas consideradas relevantes pelos investigadores.