A Cúpula do Brics começa neste domingo (6), no Rio de Janeiro, sob presidência brasileira e com um acordo já alinhavado para a declaração final que será apresentada aos chefes de Estado até segunda-feira (7), no Museu de Arte Moderna. Após intensas articulações nos bastidores até a véspera do encontro, os países-membros superaram impasses diplomáticos e fecharam posições conjuntas sobre temas sensíveis, como ataques militares, reforma da ONU e práticas protecionistas no comércio internacional.
Um dos principais nós nas negociações foi a pressão do Irã para endurecer o tom da nota conjunta divulgada duas semanas atrás, que condenava ações dos Estados Unidos e de Israel contra alvos iranianos. O discurso mais inflamado preocupava diplomatas, que temiam comprometer o consenso. O entrave foi superado: o texto manterá uma crítica a ações militares, mas sem elevar a retórica.
Outro avanço importante foi o apoio do Egito e da Etiópia — recém-ingressos no grupo — à proposta de reforma do Conselho de Segurança da ONU, prioridade para Brasil, Índia e África do Sul. Ambos os países africanos vinham demonstrando resistência, mas cederam após negociações intensas.
Lula critica ausência de lideranças e defende solidariedade entre os Brics
Na abertura do Fórum Empresarial, no sábado (5), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou a necessidade de maior integração entre os países do bloco e criticou o vácuo de lideranças globais diante das crises atuais.
— O vínculo entre paz e desenvolvimento é evidente. Não haverá prosperidade em um mundo conflagrado. O fim das guerras e dos conflitos que se acumulam é uma das responsabilidades de chefes de Estado e de governo. É patente que o vácuo de liderança agrava as múltiplas crises enfrentadas por nossas sociedades — afirmou Lula.
— Estou certo de que este fórum e a Cúpula do Brics, que se inicia amanhã, aportarão soluções. Ao invés de barreiras, promovemos integração. Contra a indiferença, construímos solidariedade — completou.
Bloco apoia taxação global de super-ricos e cobra reformas no FMI
Na área econômica, os Brics declararam apoio à Convenção Tributária da ONU, que prevê a criação de um modelo global para taxar de forma mais justa os super-ricos — uma bandeira defendida pelo Brasil desde sua presidência do G20.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, celebrou o consenso:
— Trata-se de um passo decisivo rumo a um sistema tributário global mais inclusivo, justo, eficaz e representativo — uma condição para que os super-ricos do mundo todo finalmente paguem sua justa contribuição em impostos — disse.
Além disso, ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais do bloco cobraram mudanças no FMI. Segundo eles, é necessário que cotas e poder de voto reflitam o peso real das economias emergentes — sem prejuízo aos países mais pobres.
O grupo também manifestou “sérias preocupações” com medidas unilaterais de aumento de tarifas e criticou práticas protecionistas que distorcem o comércio global, sem citar diretamente os Estados Unidos.
— Os Brics demonstram resiliência e cooperam entre si e com outras nações para resguardar e fortalecer um sistema de comércio multilateral não discriminatório, aberto, justo, inclusivo, equitativo, transparente e baseado em regras — destaca o comunicado.
Putin e Xi ausentes; Brasil lidera agenda de reformas
A Cúpula ocorre sem a presença física de dois dos principais líderes do bloco. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa por videoconferência devido ao mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em 2023, por conta da deportação de crianças ucranianas durante a guerra.
Já o presidente da China, Xi Jinping, será representado pelo primeiro-ministro Li Qiang. Segundo o governo chinês, a ausência se deve a um “conflito de agenda”.
Com a presidência rotativa do grupo, o Brasil colocou em destaque temas como a reforma de instituições multilaterais, como ONU e FMI, o fortalecimento da capacidade financeira do Sul Global, e o enfrentamento da crise climática. Também estão na pauta a formação de uma “Rede de Segurança Financeira Global” e a criação de uma força-tarefa para modernizar os termos de referência do bloco.
Segurança reforçada com PF e caças da FAB
Por conta da importância da Cúpula, o governo federal reforçou o esquema de segurança no Rio de Janeiro. A Força Aérea Brasileira (FAB) mobilizou caças F-5M armados com mísseis para monitorar o espaço aéreo, em operação semelhante à do G20 em 2024.
Na última terça-feira (1), a Polícia Federal realizou uma varredura na Marina da Glória com equipes especializadas em explosivos, cães farejadores e detectores de materiais perigosos.
Brics em expansão e com novas ambições
Originalmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o Brics vem se ampliando nos últimos anos com a entrada de novas economias emergentes como Irã, Etiópia, Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Indonésia. Esta é a segunda Cúpula após a ampliação do grupo.
Mais do que um fórum político, o Brics tem se consolidado como uma plataforma estratégica para países que buscam maior protagonismo global e contraponto à ordem internacional liderada pelo Ocidente.
Com a declaração final encaminhada, a Cúpula no Rio de Janeiro pode marcar um novo capítulo para o bloco — mais robusto, ambicioso e com voz cada vez mais ativa nos rumos do sistema multilateral.