A Organização das Nações Unidas lançou, nesta segunda-feira, um duro alerta sobre o cenário humanitário mundial ao apresentar sua campanha internacional para 2026. Em uma avaliação marcada por críticas contundentes, a entidade anunciou que, devido aos cortes na ajuda externa de diversos países, terá de reduzir o escopo de sua atuação e atender um número significativamente menor de pessoas no próximo ano.
Durante a apresentação do plano, Tom Fletcher, subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários e coordenador de Ajuda de Emergência, afirmou que a comunidade internacional tem demonstrado uma preocupante falta de reação diante da escalada de violência global. Segundo ele, “estamos em um período de brutalidade, impunidade e indiferença”.
Crises mais violentas e menos recursos
Fletcher citou episódios ocorridos em 2025 para ilustrar o que chamou de retrocesso civilizatório. O britânico condenou “a ferocidade e a intensidade dos assassinatos, o completo desprezo pelo direito internacional, os níveis horríveis de violência sexual” registrados em múltiplas regiões de conflito. Apesar da ampliação das crises, o volume arrecadado pela ONU em 2025 despencou: foram US$ 12 bilhões, menos de um terço dos US$ 45 bilhões solicitados. O montante é o menor em uma década.
A queda brusca comprometeu a capacidade de resposta da organização. Com os recursos reduzidos, foi possível atender 98 milhões de pessoas no mundo, 25 milhões a menos do que no ano anterior. Para Fletcher, a combinação de crises simultâneas e desinformação está moldando um ambiente hostil à solidariedade internacional. “É um período em que as regras estão em retrocesso, em que a estrutura da coexistência está sob ataque constante, em que nossos instintos de sobrevivência foram entorpecidos pela distração e corroídos pela apatia”, declarou.
Plano menor para 2026 e foco em regiões críticas
Diante da queda no financiamento, a ONU apresentou um plano reduzido para o próximo ano. O objetivo agora é captar US$ 23 bilhões e ajudar 87 milhões de pessoas — uma diminuição expressiva em relação aos números de 2025. A assistência deve se concentrar em algumas das regiões mais perigosas do planeta: Faixa de Gaza, Ucrânia, Sudão, Haiti e Mianmar.
Fletcher relatou encontros pessoais que reforçam a gravidade da situação humanitária. Em Tawila, no Sudão, onde habitantes de El Fasher buscaram refúgio após episódios de violência étnica, ele conheceu uma jovem mãe que fugiu pela “rodovia mais perigosa do mundo”. A mulher presenciou o assassinato do marido e do filho, carregou o bebê de dois meses — já desnutrido — e deixou para trás vizinhos mortos. Ao narrar o episódio, Fletcher descreveu que “homens a atacaram, a estupraram, quebraram sua perna, e mesmo assim algo a manteve firme em meio ao horror e à brutalidade”. Ele questionou: “Alguém, de onde quer que venha, seja no que você acredite, de como você vota, não acredita que deveríamos estar lá por ela?”
Contra a desinformação e por mais solidariedade
A ONU teme que a arrecadação em 2026 fique novamente abaixo do necessário. Caso isso ocorra, Fletcher adiantou que pretende mobilizar organizações da sociedade civil, empresas e cidadãos comuns para ampliar a campanha humanitária. Segundo ele, a percepção pública de que grande parte dos impostos nacionais vai para o exterior é fruto de desinformação.
Para reforçar a importância do financiamento, o subsecretário-geral comparou os valores solicitados com os gastos globais em defesa e armamentos. “Estamos pedindo pouco mais de 1% do que o mundo gasta atualmente com armamentos e defesa”, afirmou. Ele destacou que não propõe dilemas falsos: “Não estou pedindo que as pessoas escolham entre um hospital no Brooklyn e um hospital em Kandahar, estou pedindo ao mundo que gaste menos com defesa e mais com ajuda humanitária”.






