O estado do Rio de Janeiro desperdiça anualmente uma verdadeira fortuna ao enterrar materiais recicláveis que poderiam ser reaproveitados pela indústria. De acordo com o novo Mapeamento dos Recicláveis Pós-Consumo no Estado do Rio de Janeiro, produzido pela Firjan com base em dados de 2023, mais de 2,5 milhões de toneladas de resíduos com potencial de reciclagem acabam descartadas em aterros ou lixões — o que representa uma perda estimada em R$ 2,6 bilhões por ano.
O levantamento revela que, das cerca de 8 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos geradas anualmente no estado, apenas 1,5% é coletado seletivamente. Apesar de um leve avanço em relação a anos anteriores — foram 40 mil toneladas recicladas em 2019, 100 mil em 2021 e 121 mil em 2023 —, o número ainda é considerado irrisório diante do potencial existente.
Obstáculos
Segundo a Firjan, o principal obstáculo para o avanço da reciclagem no estado é a informalidade na cadeia produtiva. A falta de integração entre catadores, cooperativas, empresas de beneficiamento e a indústria recicladora limita o aproveitamento econômico e ambiental do setor.
Caso o potencial fosse plenamente explorado, o estado poderia atrair R$ 6 bilhões em investimentos, gerar mais de 40,6 mil empregos diretos e indiretos, e movimentar cerca de R$ 11,6 bilhões em renda — um impacto expressivo tanto na economia quanto na sustentabilidade urbana.
Atualmente, segundo a Associação Nacional da Cadeia Produtiva da Reciclagem (Ancapre), o setor emprega aproximadamente 47 mil pessoas no estado, entre catadores, trabalhadores em depósitos, indústrias de beneficiamento e fábricas de transformação.
Desigualdade, impostos e concorrência desleal
Para Edson Freitas, presidente da Ancapre, a reciclagem no Brasil — e especialmente no Rio — sofre com ausência de políticas públicas, carga tributária elevada e concorrência desleal de materiais reciclados importados irregularmente, o que torna o produto nacional menos competitivo frente à matéria-prima virgem.
Na ponta da operação, cooperativas de catadores também enfrentam dificuldades para se manterem ativas. Luiz Fernandes, diretor da Coopama (Cooperativa Popular Amigos do Meio Ambiente), localizada na Zona Norte da capital, critica a falta de apoio do poder público e destaca a importância de reconhecer o trabalho dos catadores como parte essencial da economia circular.
De acordo com a Secretaria Estadual do Ambiente e Sustentabilidade (Seas), existem hoje 69 cooperativas registradas no estado. Os materiais mais reciclados são latas de alumínio, garrafas PET e papelão. Em resposta ao cenário, a Seas informou que, em parceria com a UFRJ, iniciará um estudo em novembro para mapear os catadores e as condições de trabalho nas cooperativas, com conclusão prevista para 2026.
População produz mais lixo, mas recicla pouco
Outro alerta do estudo da Firjan é o aumento da produção de resíduos: em 2021, cada fluminense gerava em média 442 quilos de lixo por ano. Em 2023, esse número saltou para 508 quilos, um crescimento de 14,9%.
A cidade do Rio concentra quase metade (45,5%) de todo o lixo recolhido no estado e 57,8% dos recicláveis, índice acima dos 50,3% registrados dois anos antes. A coleta seletiva, sob responsabilidade da Comlurb, cobre hoje 117 bairros com uma frota de apenas 16 caminhões.
Um ciclo de desperdício que precisa ser interrompido
O estudo da Firjan evidencia um cenário de oportunidades perdidas. Enquanto toneladas de materiais com valor de mercado continuam sendo enterradas todos os dias, o estado perde bilhões em recursos e deixa de criar milhares de empregos.
Romper esse ciclo exige políticas públicas consistentes, incentivos fiscais, integração entre os elos da cadeia produtiva e uma mudança real na consciência ambiental da população.