Mesmo com a melhora da economia e dos indicadores sociais, o número de pessoas em situação de rua cresce em ritmo acelerado no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Segundo dados do Cadastro Único (CadÚnico), a capital fluminense tem hoje 22.450 pessoas vivendo nas ruas, a segunda maior população do país, atrás apenas de São Paulo, com 95.349.
Em todo o país, cerca de 350 mil brasileiros estão sem moradia fixa — um aumento de 142% em cinco anos. Em 2019, eram 144.777. O crescimento contrasta com dados positivos: o IBGE aponta que o número de pessoas em insegurança alimentar grave caiu para 6,4 milhões, o menor já registrado, e a ONU retirou o Brasil do mapa da fome.
Para especialistas, a falta de políticas habitacionais e de acolhimento impede que esse avanço econômico se reflita na redução da população de rua. Segundo o sociólogo Marco Natalino, do Ipea, o país melhorou em assistência social, mas não ampliou a rede de abrigos e centros de apoio. A economista Laura Muller Machado, do Insper, reforça que o problema é global e exige respostas integradas e permanentes.
Os dados revelam ainda que 84% das pessoas em situação de rua são homens, 70% têm entre 30 e 59 anos e 69% são negras. O fenômeno se espalhou: em 2015, 1.215 municípios registravam casos; hoje, são 2.683.
Diretrizes do STF e novas iniciativas
Em agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu remoções forçadas e o uso de arquitetura hostil — como pedras e pinos em calçadas —, além de exigir que os governos apresentem diagnósticos e planos de ação. A decisão levou à criação do programa Ruas Visíveis, coordenado pelo Ministério dos Direitos Humanos, que busca integrar políticas de acolhimento, moradia e inclusão social.
A diretora Maria Luiza Gama destacou que a pandemia agravou a crise habitacional, especialmente entre populações vulneráveis, como a LGBTQIA+, e defendeu a criação de um censo nacional específico.
Dados conflitantes e orçamento limitado
No Rio, o último censo municipal (2022) apontava 7.865 pessoas em situação de rua, número muito inferior ao do CadÚnico. Nacionalmente, o Ipea estimava 281 mil pessoas nessa condição no mesmo ano. Para Natalino, o orçamento de R$ 1 bilhão por ano do Ruas Visíveis é insuficiente para enfrentar o problema.
A coordenadora nacional do Movimento da População de Rua, Joana Darc Bazílio da Cruz, atribui o aumento à falta de vontade política e de investimentos estruturais. “Falta moradia digna que envolva saúde, educação, cultura e trabalho. O que se vê é uma segregação social irreparável”, afirmou.
Entre as ações em andamento, o governo testa o programa Moradia Cidadã, que busca unir habitação e serviços públicos. Para especialistas, porém, enfrentar a crise exige mais do que combater a pobreza: é preciso reconstruir vínculos sociais e garantir o direito à cidade.