Enquanto chefes de Estado e negociadores se reúnem no espaço oficial da COP30, um outro encontro dá o tom da mobilização social em Belém. A oito quilômetros dali, no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), milhares de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e diversos povos tradicionais ocupam a Cúpula dos Povos, evento paralelo que devolve à agenda climática as vozes de quem vive os impactos mais severos dos eventos extremos. A iniciativa retorna após três edições interrompidas por legislações restritivas nos países que sediaram as últimas conferências.
A abertura, no fim da tarde de quarta-feira, reuniu shows, lançamentos de livros, debates e falas de movimentos sociais que reivindicaram, sobretudo, a demarcação de terras. O líder Takak Xikrin sintetizou a mensagem que ecoou no palco: “A resposta somos nós; só o conhecimento ancestral vai paralisar a crise climática”.
O início oficial da programação também trouxe um cortejo artístico inspirado na Boiúna, a cobra gigante dos fundos do rio na lenda amazônica, simbolizando a abertura de caminhos e a boa energia. À frente, personagens caracterizados como onças reforçavam o papel de guardiãs da floresta.
Criada durante a Rio-92, a Cúpula dos Povos volta com força em Belém. A organização estima que mais de sete mil pessoas circulem pelos espaços montados na UFPA, entre tendas, palcos, áreas de debate, pontos de convivência e alojamentos. O campus se transformou em uma comunidade temporária, onde se cruzam experiências e lutas: indígenas dialogando com quilombolas, atingidos por barragens compartilhando relatos, estudantes promovendo atos e movimentos populares oferecendo produtos e materiais. Uma confluência de agendas unidas pela defesa dos territórios e pela urgência climática.
A chegada de cerca de cinco mil participantes pela Baía do Guajará, em uma barqueata com 200 embarcações — algumas vindas até de Mato Grosso — marcou o dia com uma demonstração simbólica de articulação dos povos da água.
A Cúpula concentra pautas variadas, mas prioriza quatro eixos: justiça climática global, proteção dos direitos humanos, transição energética e fortalecimento da agroecologia. Além dos movimentos sociais, instituições governamentais também participam. A Fiocruz marca presença discutindo os impactos das mudanças do clima na saúde, destacando como eventos extremos, perda de biodiversidade, poluição e insegurança alimentar já alteram a vida de populações inteiras. “Não há como organizar o SUS sem considerar a mudança climática”, afirma Guilherme Franco Netto, da Vice-Presidência de Ambiente e Promoção da Saúde da fundação.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) estima mais de 2,5 mil indígenas em Belém reivindicando maior participação nas negociações e defendendo a demarcação de terras como política climática. A Caravana da Resposta, vinda do Baixo Tapajós e reunindo mais de 300 representantes de etnias e comunidades da Amazônia e do Cerrado, reforçou a chegada de lideranças como Kayapó, Panará, Tupinambá, Arapiuns, Munduruku, Borari e Mura, além de agricultores familiares, quilombolas e comunicadores populares.
No contraponto à COP30, a Cúpula dos Povos amplia o debate climático para além das mesas diplomáticas, trazendo para o centro as vozes de quem historicamente esteve à margem das decisões — e que agora reivindica não apenas ser ouvido, mas protagonizar soluções para salvar o planeta.






