As ações policiais e a guerra entre facções foram responsáveis por 80% das vítimas de bala perdida na Região Metropolitana do Rio de Janeiro neste ano. Segundo levantamento do Instituto Fogo Cruzado, 69 pessoas foram atingidas por balas perdidas entre janeiro e setembro de 2025, o que representa uma vítima a cada quatro dias. Desse total, 17 pessoas morreram.
O número total de registros chegou a 86 casos, seis a mais que em 2024. As operações policiais concentraram o maior volume de ocorrências, com 49 pessoas baleadas — nove delas fatais, aumento de 19,5% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram contabilizados 41 casos. Já os confrontos entre facções rivais deixaram 20 vítimas, incluindo cinco mortes.
O episódio mais recente ocorreu na última quinta-feira (16), quando um homem foi baleado durante um tiroteio no Complexo de Israel, na Zona Norte do Rio. A vítima foi levada ao Hospital Getúlio Vargas, na Penha, e permanece em estado estável. Ainda não há confirmação se o confronto envolvia policiais ou traficantes.
Menos tiroteios, mais vítimas
Apesar da redução de 5% nos tiroteios na região — 1.863 confrontos de janeiro a setembro — o número de vítimas de bala perdida aumentou. “Neste ano, foram menos tiroteios, mas atingindo um número maior de pessoas. São confrontos que ocorrem em ações policiais ou disputas entre facções e milícias. Essa escalada mostra que a dinâmica da violência armada se intensifica”, explicou Carlos Nhanga, coordenador-regional do Instituto Fogo Cruzado.
O sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Novos Ilegalismos (Geni) da UFF, defende planejamento mais cuidadoso nas ações das forças de segurança. “As operações precisam ter no seu planejamento um horizonte de contenção desses impactos colaterais em confrontos, que são intensos, frequentes e regulares”, afirmou.
Casos que chocaram o estado
O primeiro caso de 2025 foi registrado nos primeiros minutos do ano, quando uma adolescente de 14 anos foi baleada no Réveillon de Copacabana. Em janeiro, Nicole Morais da Silva, de 12 anos, morreu após ser atingida por um disparo em São João de Meriti, durante um confronto entre policiais e traficantes.
O jardineiro Carlos André Vasconcellos também morreu, oito dias depois, durante uma ação no Complexo do Alemão. Em agosto, um menino de 7 anos foi baleado dentro de uma escola em Rio das Pedras, e em setembro, José dos Santos Fernandes, de 76 anos, foi morto dentro de um ônibus em São Gonçalo durante tiroteio entre policiais e criminosos.
Impunidade e dor das famílias
Casos de vítimas de bala perdida ainda esbarram em impunidade. Um dos exemplos mais marcantes é o das primas Emily Victória Moreira dos Santos (4) e Rebecca Beatriz Rodrigues Santos (7), mortas em dezembro de 2020 na comunidade do Sapinho, em Duque de Caxias. Mesmo após laudos independentes apontarem a viatura policial como origem do disparo, os PMs foram absolvidos pela Justiça.
A Defensoria Pública entrou com pedido de indenização contra o Estado por danos morais e materiais. “Se a polícia entra em um território e inocentes morrem, deve haver reparação a essas famílias por parte do Estado, que assume esse risco administrativo”, afirmou o defensor André Castro.